Uma semente

    Quando as eleições municipais passaram a ser um dos principais assuntos no país, eu não pensei em nada específico. Só que provavelmente seria tão difícil e desesperançoso como foi 2018. 

    Todo o processo eleitoral de agora foi bem difícil e os resultados foram muito duros aqui no ABC Paulista. A direita dita tradicional e/ou o "centrão" ganhou com facilidade quase todas as cidades, a exceção de Diadema e Mauá que terão segundo turno - então ainda não sabemos se serão em todas as cidades. Mas longe de fazer um balanço sério e cheio de argumentos - tenho algumas opiniões sobre o porque - queria que essa análise inicial não soasse como uma desvalorização das diversas campanhas de companheires que vi nas últimas semanas. Apenas pontuo todo esse cenário no ABC para contrapor com o que vi em São Paulo. E o que vi, sim, me enche de esperança. 

    Não a esperança específica nas instituições do Estado, na democracia burguesa ou num mandato de esquerda. Mas a esperança no que vi nas campanhas da esquerda destas eleições e que são materializadas na campanha do Boulos. E o que vi foi um grupo expressivo de pessoas dispostas a contrapor toda a patifaria que se construiu na política nos últimos anos e de forma mais desavergonhada em 2018. Vi um grupo de pessoas diversas com uma coragem e uma força que me fez lembrar os motivos que me levaram a militar mais de uma década da minha vida.

    Vi campanhas animadas, coloridas, com disposição de diálogo, de empatia e projetos ousados e radicais. Sim, radicais e vivos que inclusive extrapolam a esfera das eleições e propõem um projeto de vida e sociedade mais amplo. 

    O resultado no primeiro turno é sim complexo. Na maior parte dos locais a sensação que tive é de resultados mornos e status quo como antes do ascenso político do PT. Me veio um ar tão anos 1990. Mas pontualmente em outros locais como São Paulo, Porto Alegre, Recife, Belo Horizonte, foi possível pensar que a esquerda tem possibilidades de se reinventar, de pensar fora da forma tradicional da atuação dada há décadas no Brasil. E que, inclusive, é possível se contrapor a este estado de coisas que temos vivido desde da necropolítica federal até a instrumentalização e politização descaradas de um pandemia. 

    Veja bem, não estou dizendo que as eleições vão nos salvar, resolver todos os problemas que temos tido. Ressalto novamente: o que sempre esteve colocado é um proposta de uma nova sociedade. Por isso, rejeito a ideia de que esquerda e direita são faces opostas da mesma moeda. Não! Se quer são objetos da mesma carga semântica. 

    E exatamente por isso, vejo as candidaturas proporcionais que a esquerda,de forma brilhante, construiu e foram eleitas como grandes desafios. Não vamos atuar no campo que conhecemos ou que temos habilidade. Mas podemos impor algumas derrotas e, também, algumas vitórias pontuais. Temos que encará-las, protegê-las (porque serão atacadas e não nos esqueçamos de Marielle) e associá-las, mas não amarrá-las a luta cotidiana. 

    Estamos no final de novembro e amanhã é dia de segundo turno em algumas capitais. Mesmo que Boulos e Erundina não ganhem amanhã é preciso olhar para esta campanha com esperança. Da potência que es lutadores têm, com a força que pode ser convertida para um projeto comum, pro movimento potente e poderoso que um grupo de pessoas pode exercer sobre uma cidade - e olha qual é a cidade. 

    Hoje enquanto o dia passa e acompanho os últimos movimentos da campanha do Boulos e as carreatas que o ativismo está fazendo pela cidade, me lembrei da frase de Paulo Freire: 

É preciso ter esperança, mas ter esperança do verbo esperançar; porque tem gente que tem esperança do verbo esperar. E esperança do verbo esperar não é esperança, é espera. Esperançar é se levantar, esperançar é ir atrás, esperançar é construir, esperançar é não desistir! Esperançar é levar adiante, esperançar é juntar-se com outros para fazer de outro modo…

    As eleições não dizem, nem de longe, a capacidade de construir projetos, lutas e mobilizações que os setores de esquerda podem produzir. Mas em 2020 depois de tudo que vimos e temos visto, é possível ver o força coletiva que pode ser movida. Claro que não conseguimos manter ritmo de campanha com essa força o ano todo. Mas o que estou tentando dizer e celebrar, a partir desse pequeno corte na história, é da potência, da capacidade de enxergar possibilidade e caminhos para sair do meio do lamaçal. 

    Estou torcendo pelo Boulos. Vou ficar o dia ansiosa. Vou ficar triste caso ele não ganhe. Mas fico esperançosa com o futuro de organização e mobilização que todes envolvides têm e já estão construindo desde já. 

Uma semente já está plantada e germinando. A esperança há que vencer o ódio.


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